No dia que disserem que vão colocar atletismo
no Ceir, vou colocar eles para correr.
Por: Claryanna Alves
Childerico Robson é formado em Educação
Física e pós-graduado em Atividade Física e Saúde pela Universidade Federal do
Piauí (UFPI). Teve o seu primeiro contato com a atividade física para pessoas
com deficiência ainda de forma particular e depois construiu sua vida
profissional de competição paradesportiva no Centro Integrado de Reabilitação
(Ceir). O profissional, que se emociona ao falar das conquistas de seus
atletas, conseguiu levá-los para competições nacionais, nas quais ganharam
várias medalhas para o Piauí em diversas categorias.
Capital
Teresina: Quando foi o seu primeiro contato com a reabilitação a partir da
educação física?
Childerico
Robson:
Meu primeiro contato com atividade física como profissional foi através de um
cliente que eu tinha de personal. Ele teve um probleminha na família e me
confiou à tarefa de treinar essa pessoa dentro da atividade física. Foi ele que
me oportunizou esse primeiro contato profissionalmente, me confiou a tarefa de
fazer atividade física com esse garoto e, graças a Deus, tivemos êxito durante
esse tempo que ficamos juntos. Foi uma atividade bem prazerosa e que, pra mim,
como educador físico e como nova área de trabalho, foi bem interessante já que
depois daquele paciente vieram outros pacientes.
CT:
Como foi encarar esse desafio profissional?
CR: Novos desafios,
novas atividades, a busca pelo conhecimento e por um campo de trabalho até
então pouco explorado dentro do Estado. Essa atividade ainda se resumia muito a
instituições, não se tinha muito conhecimento de pessoas fazendo isso no âmbito
particular. Quando se fala em deficiência, em reabilitação, se pensa em
fisioterapia e, nesse momento, estamos incluindo no processo de reabilitação a
questão da atividade física mesmo como busca de coordenação e todos os
benefícios que a atividade física pode trazer.
CT:
Porque resolveu desenvolver o seu trabalho no Ceir? E como tem sido essa
experiência?
CR: Ao longo desse
trabalho, que comecei a desenvolver há praticamente 15 anos atrás, tive contato
com outros profissionais de outras áreas em ações multidisciplinar e, quando
houve o processo seletivo para o Ceir, esses profissionais que trabalhavam comigo
me alertaram. Num primeiro momento não era um desejo meu trabalhar aqui, apesar
de já possuir uma agenda bem vasta de pacientes deficientes. Mas acabei fazendo
a inscrição no último dia, na última hora e no último minuto; tanto que achei
que minha inscrição nem iria ser efetivada. Para a minha surpresa fui aceito e
pude concorrer no concurso. E passei! Passamos pelo treinamento na Associação
de Assistência à Criança Deficiente (AACD). Em 2006 passamos um mês conhecendo
a dinâmica lá, um pouco da filosofia, um pouco da sistemática de trabalho
dentro do processo de reabilitação de deficientes físicos na AACD.
Faço agora seis anos de atendimento no Ceir.
De lá para cá tive muito crescimento profissional, além do crescimento pessoal.
O trabalho da reabilitação está mais direcionado para ir atrás dessa emoção de
estar interagindo com o paciente de forma a ter um companheiro, um amigo. Eu
procuro trabalhar um pouco dessa forma. Não me apego muito a literatura. É uma
coisa que tem que ter, mas acho que o algo a mais da reabilitação está dentro
do peito, dentro do coração, é a vontade que você tem de lidar com o paciente,
a vontade que você tem de mostrar pra ele a segurança e a certeza que ele vai
conseguir fazer as coisas que estamos propondo. Não vejo limite para nenhum
paciente. Não vejo as deficiências dos pacientes. Vejo só suas potencialidades.
Deficiência todo mundo tem, talvez uns tenham isso mais aparente do que outros,
mas deficiências sempre irão acontecer. E eu me enquadro nesse perfil: tenho
minhas deficiências, talvez não seja tão aparentes ou físicas, mas elas
existem.
CT:
Como você avalia os seus desafios diários com seus pacientes?
CR: Eu procuro não
estabelecer uma relação muito direta com a questão da avaliação porque eu acho
muito rígido. Pode chegar aqui um paciente que, dentro do parâmetro cientifico,
não poderá não fazer algo. E não vou limitar o paciente por conta disso. Darei,
pelo menos, o bônus da dúvida para ele. Quero que ele tente. Já tivemos aqui um
caso que o paciente chegou aqui sem a menor perspectiva de nada. Mas nós o
recebemos, conseguimos fazer uma troca muito boa e esse paciente conseguiu
nadar. A própria mãe relata que foram 18 anos sem andar. Ele nunca tinha andado
na vida. Depois passou a acreditar e ele começou a criar o algo mais. Começou
na natação e hoje ele anda! Não anda perfeitamente, mas anda empurrando a
cadeira de rodas com a mãe sentada. Acho que reabilitar é um processo muito
longo. Reabilitar não se limita apenas a literatura.
CT:
Como é sua relação com seus pacientes?
CR: Acredito que aqui
nós temos não só pacientes, mas temos amigos, parceiros. Eu os trato como se
fossem da minha família. Faço questão também que os meus filhos estejam sempre
interagindo com eles, pois é uma forma de aceitar e compreender melhor a
diversidade que a vida tem. No dia-a-dia sou mais aluno do que professor. Tenho
muito a aprender: disposição, vontade, garra... Um dos trabalhos que faço aqui
é pedir ajuda aos empresários, ao governo e aos amigos para realizar sonhos
atrás vez do esporte, competindo. Por exemplo, agora no Corso, quisemos arrumar
um rei e uma rainha para o caminhão da acessibilidade. Fui lá pedir a roupa do
rei e da rainha. Não tenho vergonha de pedir se for pra eles. Se for pela causa
eu vou lá e peço mesmo. Venho conseguindo por que acho que a seriedade do nosso
trabalho aqui nos tem dado bastante credibilidade.
CT: Quais são as atividades que vocês desenvolvem aqui no Ceir?
CR: Aqui no centro de
reabilitação eu supervisiono a reabilitação esportiva, eu e mais três
terapeutas. Nós temos as mais diversas atividades dentro do contexto. A natação
hoje é o carro chefe do Ceir. As atividades hoje que desenvolvendo são:
basquete de cadeira de rodas, futebol de
amputados, natação, hidroginástica, nós tínhamos a dança e o tênis de mesa, mas
por pouca demanda nós tivemos que encerrara-las temporariamente, e temos também
a capoeira. Na capoeira temos 35 garotos que vão de um a 26 anos, hoje são mais
de 500 apresentações. A capoeira talvez seja a nossa atividade que tem mais
projeção.
Esse ano a gente tá com o projeto de
implantar o futebol para paralisia cerebral (PC) porque nós temos muitos
garotos aqui que querem jogar bola e, infelizmente, as escolinhas ainda não
estão recebendo esses garotos. Não sei o que acontece hoje dentro da atividade
física, se busca muito o lado competitivo. Não quero criticar, mas tenho aqui
meninos carentes que precisam estar inseridos também nesse contexto. Isso não
está acontecendo lá fora? Não tem problema. Nós trazemos para cá, trabalhamos,
mostramos que é possível e divulgamos. Um dos nossos trabalhos também é
desmistificar para que eles possam desenvolver essa atividade também. Como
desmistificar? Marcando jogos com PCs nas escolinhas. Eu acho que só o fato de
eles irem até os jogos já é uma vitória. Não se trata apenas do placar. “Ah,
mas perdemos de 50 a 0”. Não tem problema, porque nós estamos dando de 100 a 0
em quem não quis aceitar ele lá.
CT:
Quando você resolveu tirar os seus pacientes do Ceir e leva-los para competir?
CR: Tudo começa lá
reabilitação esportiva. Fomos vendo que alguns pacientes demonstravam muita
habilidade na natação e vimos que tínhamos condições de fazer algo por eles.
Então, lançamos as equipes competitivas. Em 2009, levamos uma paciente nossa em
uma etapa do circuito norte/nordeste do paraolímpico brasileiro. E, de
primeira, já ganhamos duas medalhas de ouro. Foi bom para a paciente que estava
competindo, foi bom pra mim que vi que era por ali que tínhamos que andar. Foi
aí que começou tudo, virou um vício e não parou mais. Começamos a selecionar
dentre os pacientes com mais habilidades, aqueles que tinham interesse pela
competição. Nós começamos a trabalhar nesse meio e foi interessante porque o
circuito já virou rotina. Eles ganham em torno de oito a quinze medalhas nas
competições, dependendo do número de pacientes que consigo levar. Isso, para
mim, é muito bom. Para eles e para os outros que estão aqui ao redor vendo,
ajuda bastante na autoestima.
Espero que com a paraolimpíada venha uma
melhora para nós. Hoje nós treinamos em uma piscina de 10m. Quando chegamos em
competições e relatamos que temos só essa, não acreditam. Uma comissão já esteve
aqui e constatou isso. Eles não acreditam que os nossos competidores conseguem
competir de igual para igual tendo só essa piscina. Esses meninos são
fenomenais! Aí imagina se eles tivessem, que é o meu grande sonho, uma piscina
de 25m? Mas é assim mesmo, nós vamos chegando lá dentro das nossas limitações.
CT: O
Piauí incentiva o paradesporto?
CR: Hoje o Ceir, dentro
de suas limitações, apoia a reabilitação esportiva. Mas chega um momento que
não dá, temos que correr atrás do governo realmente. Acabamos tendo um pouco de
custo quando entra no campo competitivo e o custo é diferenciado quando, por
exemplo, a capoeira precisa de uniforme, corda, de pagar um evento onde
trazemos outros capoeiristas para dar mais estrutura; isso tudo tem um custo.
Dia 15 de dezembro, nós fizemos uma apresentação de final de ano na Ponte
Estaiada. O Dr. Silvio, da BioAnálise, estava passando e se emocionou, como
todo mundo que estava presente, e como meu ex-aluno de uma academia que eu
trabalhava, ele me parou e perguntou o que ele poderia fazer para ajudar.
Então, fizemos uma parceria com o laboratório, que nos apoia no projeto da
capoeira. Esse tipo de incentivo tem ajudado bastante não só na reabilitação
desses pacientes, mas, principalmente, na questão da autoestima.
Com os meninos do futebol também foi uma
luta. Nós conseguimos com a Fundação de Esportes do Piauí (Fundespi),
acreditando no paradesporto, um ônibus que nos levou até Natal para disputar o
Brasil Open. Ficamos em 4° lugar, perdemos a disputa pelo 3° lugar para o time
da casa. Mas foi bom, mostrou que nós estamos no nível certo. As competições no
futebol de amputados são sempre muito distantes, no sul do país, e acaba sendo
muito caro. O paradesporto é a saída do centro de reabilitação, é a
materialização de todo o nosso trabalho lá fora. Só o fato desses garotos
chegarem aqui e poderem competir já é uma grande vitória. O resultado vem com o
tempo.
CT: O
piauiense reconhece as potencialidades dos paratletas do Estado?
CR: Aqui temos um grupo
de deficientes praticando capoeira, não é um grupo de capoeira onde um
deficiente se insere. As pessoas estão muito acostumadas a comprarem o que é de
fora. Se você bota um deficiente físico lá fora jogando capoeira, tem um milhão
de curtidas e um milhão de comentários. Mas se você coloca um grupo de 35
capoeiristas daqui, as próprias pessoas daqui acham normal. Isso é muito
desmotivante para mim e para eles. A comunidade da capoeira não se envolve
nesse trabalho. Hoje tenho um lado profissional bem desenvolvido para não achar
que eles devem treinar só comigo. Há garotos que iniciaram comigo e treinam em
outros grupos. Se eu ajudei eles de alguma forma, daqui há 60 anos quando
lembrarem da capoeira, na história dele vai estar marcada a minha passagem, nem
que seja por um dia, um segundo, não tem como negar. Nós estamos sempre
querendo mais. No dia que disserem que vão colocar uma pista de atletismo no
Ceir, vou colocar eles para correrem aqui; assim vou fazendo outro esporte e
outro, e outro.
FOTOS: Gabriel Torres/CT
FONTE: www.capitalteresina.com.br
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